FORTES EMOÇÕES
Os escoceses estão eufóricos e energizados com o referendo de amanhã. Sorrisos enormes nos rostos, a turma do "yes" e do "no", igualmente otimista, empunha cartazes, desfila tocando cometa e fazendo o sinal da vitória: 97% dos cidadãos com mais de 16 anos estão registrados para votar. No outro lado da ilha, os ingleses estão tristes. Já tiveram raiva, mas agora tristeza é o sentimento da maioria na Inglaterra 56% com a possibilidade de acabar uma união de 307 anos, constatou pesquisa do "Guardian" O prirneho-ministro David Cameron discursa com olhos cheios d'água, famosos organizam showmícios e arregimentam milhares de pessoas para declarar amor aos cidadãos do Norte, todos juntos arquivam a imagem de frieza e distância para dias menos emotivos. "Por que esta união virou tão intolerável para eles " escandaliza-se até Martin Amis, escritor-celebridade que criou escândalo ao abandonar o país há dois anos, dizendo não agüentar mais o Reino Unido. Como no Brasil, aqui também vive-se o duelo entre o medo e a esperança, mas ninguém arrisca-se a prever o resultado deste embate que pode acabar amanhã com a ordem estabelecida há três séculos.
Por quê "A Escócia é uma das mais antigas nações da Europa e manteve a sua identidade única, apesar da união desigual à qual foi forçada a participar com o vizinho do Sul em 1707" rebate Anna- lena McAfee. Escocesa como o nome indica, autora de um delicioso romance sobre as redações de jornal na década passada "Exclusiva" publicado pela Companhia das Letras, em 2012 Annalena é mulher de Ian McEwan, um dos mais importantes escritores do mundo e também um escocês por parte de pai. Nenhum dos dois pode votar, porque moram em Londres, mas ela apoia apaixonadamente o "sim" e ele decidiu-se esta semana pelo "não" por medo das conseqüências econômicas da independência. "Discordamos cordialmente, mas no fim ambos queremos o mesmo, o florescimento da Escócia.
"Sem os escoceses, ficaremos muito diminuídos como país" reclama Martin Amis, inglês e terceiro desta trinca de amigos influentes na cultura britânica o quarto, Christopher Hitchens, morreu há pouco.
Amis apela para o sentimento de lealdade dos escoceses para fazê-los ficar unidos aos ingleses, irlandeses e galeses. Annalena - e a turma do "sim" - não se emociona com esses lamentos e não é por ressentimentos do passado. "Claro que rancores sobreviveram, mas esta campanha é sobre o presente e o futuro" diz. Para muitos escoceses, a elite política de Londres preocupa-se demais com os problemas da City e de menos com a Escócia. Entre todos os deputados eleitos por escoceses, só um é conservador, do partido de David Cameron e Margaret Thatcher, ela até hoje lembrada com raiva pela dura resposta à greve dos mineiros.
"A gente diz que existem mais pandas no zoológico do que conservadores na Escócia" conta Annalena. No sonho dos escoceses a favor da independência, o novo país concretizará os seus anseios de maior justiça social, mais abertura para a União Européia, manutenção da proteção social e universidade gratuita, além do fim do arsenal nuclear dos submarinos e mísseis Trident.
Tudo isto é exatamente o oposto, claro, dos prognósticos feitos insistentemente pelos eleitores a favor da manutenção da união. William Thomson, escocês, empresário da área naval, com muitos amigos aristocratas, faz uma análise bem menos romântica/idealista do movimento a favor da independência. Para ele, as raízes do sucesso do "yes" vêm sendo plantadas há 40 anos, com o fechamento das indústrias pesadas mineração, estaleiros, siderurgia, indústria automobilística em Edimburgo e Glasgow, onde vive a maioria do eleitorado. "Isto deixou uma enorme massa de trabalhadores desempregados e, até hoje, 50% dos escoceses dependem do governo, direta ou indiretamente. Não é surpreendente que o Partido Trabalhista tradicionalmente seja visto como representante dessa classe operária e que o ressentimento causado pelo empobrecimento do país tenha criado reivindicações por maior autodeterminação e levado a Escócia a obter seu próprio Parlamento 15 anos atrás" analisa Bill.
Mau desempenho dos trabalhistas especialmente Gordon Brown e crises econômicas sucessivas atiçaram o nacionalismo e o sonho da independência, mas Westminster só concordou com o plebiscito por que tinha certeza de vencer por esmagadora maioria. "Todos os que têm capital são contra a independência" diz Bill. O mais novo capítulo desta história está sendo vivido agora. Os escoceses a favor da independência já ganharam. Numa Europa deprimida, conseguiram criar uma esperança de futuro e arrancar promessas de mais liberdade e poder. "Faltou dizer quem vai pagar por essa sociedade mais justa" lembra Bill. Tem gente certa de que os independentistas estão blefando e torcendo para não ganhar o referendo por causa das dificuldades econômicas do novo país. Mas a sacudida nas certezas da elite política já valeu.