A TERCEIRA GRANDE ONDA
As primeiras duas revoluções industriais infligiram grande sofrimento, mas acabaram por beneficiar a todos. A revolução digital pode se mostrar muito mais desigual, argumenta Ryan Avent
A MAIORIA DAS PESSOAS fica desorientada com mudanças radicais, muitas vezes por boas razões. Tanto a primeira Revolução Industrial, iniciada no fim do século XVIII, quanto a segunda, cerca de 100 anos depois, tiveram suas vítimas que perderam empregos para o tear mecânico e depois para a iluminação elétrica de Thomas Edison, a carruagem sem cavalos de Benz e inúmeras outras invenções que mudaram o mundo. Mas essas invenções também melhoraram imensuravel- mente a vida de muitas pessoas ao varrer antigas estruturas econômicas e transformar a sociedade. Elas criaram novas oportunidades econômicas em grande escala, com uma abundância de novos trabalhos para substituir os antigos.
Uma terceira grande onda de invenções e perturbações na economia, deflagrada pelos avanços na computação e nas tecnologias de comunicação e informação (TCI) no fim do século XX, promete causar uma mistura similar de estresse social e transformação econômica. Ela é guiada por um punhado de tecnologias incluindo as máquinas inteligentes, a onipresente internet e a robótica avançada capazes de produzir muitas inovações extraordinárias: veículos sem motorista; drones não tripulados; máquinas que traduzem instantaneamente centenas de línguas; tecnologias móveis que eliminam a distância entre médico e paciente, professor e aluno. Se a revolução digital criará novos empregos em massa para compensar a destruição em massa dos antigos ainda é uma questão em aberto.
Uma computação poderosa e onipresente tornou-se possível com o desenvolvimento do circuito integrado nos anos 1950. Sob a regra geral aproximada conhecida como Lei de Moore (descrita por Gordon Moore, um dos fundadores da Intel), o número de transistores que podem caber em um chip tem dobrado a cada dois anos. Esse crescimento exponencial resultou em aparelhos eletrônicos cada vez menores, melhores e mais baratos. Os smartphones carregados pelas pessoas no mundo todo têm muito mais poder de processamento do que os supercomputadores da década de 1960.
A Lei de Moore agora se aproxima do fim de sua vida útil. Os transistores ficaram tão pequenos que encolhê-los ainda mais deve aumentar seu eusto em vez de reduzi-lo. Ainda assim, a computação disponível comercialmente continua a baratear. Google e Amazon estão ambos baixando o preço da computação em nuvem para seus clientes. E as empresas têm aproveitado muito melhor a capacidade computacional. No livro publicado originalmente em 2011, Novas Tecnologias Versus Empregabilidade (Ed. M. Books), Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee citam uma análise que sugere que entre 1988 e 2003 a eficácia dos computadores aumentou 43 milhões de vezes. Processadores melhores responderam por apenas uma pequena fração desse avanço. O grosso do aperfeiçoamento veio de algoritmos mais eficientes.
Os efeitos benéficos desse aumento da capacidade computacional têm custado a aparecer. As razões costumam ser ilustradas por uma história sobre tabuleiros de xadrez e arroz. Um homem inventa um novo jogo, o xadrez, e o presenteia ao rei. O rei gosta tanto que oferece ao inventor a recompensa que quiser. O homem pede um grão de arroz para o primeiro quadrado de seu tabuleiro de xadrez, dois para o segundo, quatro para o terceiro e assim por diante. O rei prontamente concorda, acreditando ser o pedido surpreendentemente modesto. Eles começam a contar o arroz, e a princípio as quantidades são pequenas. Mas elas continuam a dobrar, e logo o quadrado seguinte exige toda a produção de um grande campo de arroz. Pouco tempo depois, o rei precisa reconhecer a derrota: suas vastas riquezas são insuficientes para prover uma montanha de arroz do tamanho do Everest. O crescimento exponencial, em outras palavras, parece insignificante até que subitamente se torna incontrolável.
Brynjolfsson e McAfee argumentam que o progresso na TCI já trouxe a humanidade ao início da segunda metade do tabuleiro. Problemas de computação que pareciam insolúveis há alguns poucos anos foram resolvidos. Em um livro publicado em 2005, os economistas Frank Levy e Richard Murnane descreveram o ato de dirigir um carro em uma rua movimentada como uma tarefa tão complexa que provavelmente não poderia ser desempenhada por um computador. Mas apenas alguns anos depois o Google apresentou uma pequena frota de carros sem motorista. A maioria das montadoras hoje desenvolve veículos autônomos ou semiautônomos. Uma fronteira crucial parece ter sido ultrapassada, permitindo aos programadores usar algoritmos bem bolados e um enorme volume de computação barata para extrair um simulacro de inteligência da eletrônica.
A onda atual, como suas predecessoras, deve trazer enormes ganhos para o nível de vida e o bem-estar humano, mas a história sugere que o ajuste da sociedade a ela será lento e difícil. Na virada do século XX, escritores produziram visões de um deslumbrante futuro tecnológico ao mesmo tempo que algumas economias grandes e ricas atravessavam um período de crescimento desalentador da produção e da produtividade. Então, como agora, os economistas saudaram a nova era de globalização, enquanto cresciam as tensões geopolíticas. Então, como agora, os sistemas políticos sofriam para acomodar as demandas de um número crescente de trabalhadores insatisfeitos.
Alguns economistas de hoje expõem visões radicais do poder destruidor de empregos dessa nova onda tecnológica. Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, analisaram recentemente mais de 700 ocupações diferentes para ver quão facilmente poderiam ser computadorizadas e concluíram que 47% dos empregos nos Estados Unidos estão sob alto risco de serem automatizados durante a próxima década ou duas. Brynjolfsson e McAfee questionam se os trabalhadores humanos serão capazes de atualizar suas habilidades rápido o suficiente para justificar sua manutenção no emprego. Outros autores crêem que o próprio capitalismo pode estar ameaçado.
Esta reportagem especial vai argumentar que a revolução digital abre uma grande fenda entre uns poucos ricos e capacitados e o resto da sociedade. No passado, as novas tecnologias costumavam aumentar os salários ao estimular a produtividade, com os ganhos repartidos entre trabalhadores capacitados e não capacitados, e entre detentores de capital, trabalhadores e consumidores. Hoje, a tecnologia tem favorecido indivíduos talentosos como nunca antes e aberto uma enorme distância entre a renda dos capacitados e a dos não capacitados, a dos capitalistas e a dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, ela cria uma vasta reserva de trabalhadores subempregados que deprime os investimentos. O efeito da mudança tecnológica sobre o comércio também tem alterado a base dos modelos de desenvolvimento econômico testados e aprovados nas economias mais pobres. Mais trabalho fabril pode ser automatizado, e o trabalho de alta especialização responde por uma porção maior do valor do comércio, levando ao que os economistas chamam de "desindustrialização prematura" nos países em desenvolvimento. Os governos não podem mais contar com um setor industrial crescente para absorver o trabalho não especializado das zonas rurais. Tanto no mundo rico quanto no emergente a tecnologia tem criado oportunidades para quem antes estava limitado financeira e geograficamente, mas o emprego para quem possui baixos níveis de capacitação é escasso comparado com a bonança criada pelas revoluções tecnológicas anteriores.
Tudo isso aflige duramente os governos, assolados por novas demandas de intervenção, regulação e apoio. Se acertarem em suas respostas, eles serão capazes de canalizar as mudanças tecnológicas para formas que beneficiam a sociedade como um todo. Se errarem, podem acabar sob ataque tanto de enraivecidos trabalhadores subempregados quanto de ressentidos contribuintes ricos. Por esse caminho chega-se a uma política amarga e ainda mais conflituosa.